quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Amar(elo)

Eu, que já achei conforto no eremitério do ovo. A solidão tem um quê de segurança, como a casca tem um quê de proteção. Só um quê. De claustrofóbico também, eu, que já achei o ato máximo de revolução a gema quebrar o ovo, assim pra cima pulando. Confiante, rainha, como se pudesse voltar, porque depois a gema cai e, se tiver sorte (ou azar), não rompe sua própria membraninha, que às vezes ela acha que seria o suficiente contra o mundo - não é. Nem pode voltar pro ovo (como colar a casca), mas na cabeça da gema subversiva isso pode, só porque esse poder-em-mãos abre fresta pra uma esperança platônica. Não pode, nem a gema é independente do ovo, é tudo um negócio só: mas a gema é coração. O ovo teme/sonha implodir-se, de tudo que guarda dentro de si. Eu, que acho também desconforto no ovo, já achei que o ovo tinha que se quebrar, ele mesmo sozinho, de dentro pra fora. Que se ele tem que se partir, que seja ato próprio, cansado de ter uma gema pulsando sentimentos. Mas ao mesmo tempo ouço o barulho da casca batendo na quina da pia e temo o óleo estalante. Temo mesmo a quina da pia. E como que eu resolvesse deixar o ovo em paz no ninho (ele não sabe que já passou do tempo de virar passarinho), de fora não se perceberá, mas na verdade talvez ainda eu, que segurei o ovo antes com as duas mãos juntas na altura do peito, me perdi em desespero e num átimo de destruição peguei o ovo com uma mão só, firme e cruel e chacoalhei tanto, não com raiva mas com pêsame: até que a tal membraninha da gema se rompesse dentro da casca, sem que ninguém visse. De fora é só um ovo ainda intacto. De dentro, enxofre.



"I have to claim I'm innocent" - Beyond the mirror, Pain of Salvation

Um comentário:

  1. uau...

    senti minha membrana tremer dentro da casca....
    acho que sempre tive meio que uma agorafobia... possivelmente vou apodrecer aqui dentro...

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